quinta-feira, 30 de maio de 2019

Mono


Odair Deters
Por que não somos bilíngues?
Imigrantes e descendentes de alemães, italianos e japoneses, foram perseguidos, roubados e torturados pelo fato de falarem seus idiomas ancestrais na época do ditador Getúlio Vargas, outros idiomas também sofreram.
Em 1757, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral [o velho tupi]. Dois anos mais tarde, expulsou os jesuítas. Com essas duas medidas, Pombal criou os alicerces para um Brasil monolíngue e com uma educação deficitária. Durante séculos, consideramos o monolinguismo como marca de progresso. Era preciso acabar com a confusão de idiomas dos gentios, dizia Von Martius no século 19. Não apenas a diversidade linguística autóctone foi combatida, mas também, embora por motivos diferentes, o uso de línguas estrangeiras.
Mesmo sentimento, deu-se de forma bem mais cruel, quando o ditador Getúlio Vargas implementou uma série de medidas que faziam parte de sua campanha da nacionalização. Movimento que tinha a intenção de valorizar a cultura brasileira e fortalecer a unidade nacional. Na prática, as medidas acabam ganhando um contorno xenófobo.
Os imigrantes alemães e italianos do sul do país ainda se recordam que o ditador Vargas os proibiu de falarem suas línguas maternas, bem como de ensiná-las para as gerações nascidas no Brasil. No caso da educação, esse projeto teve um impacto forte. A partir de 1938, o ensino de línguas estrangeiras era proibido e apenas brasileiros natos ou naturalizados poderiam trabalhar como professores. Isso quer dizer que as escolas criadas nas colônias que lecionavam na língua dos imigrantes eram ilegais e podiam, sim, ser fechadas pelo governo.
A situação era ainda pior no caso do alemão, do italiano e do japonês. Naquela época, essas eram as línguas dos países que constituíam o Eixo, adversários do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1939, foi proibida a circulação de jornais e revistas em língua estrangeira. Programas de rádio também foram suspensos. A repressão chegou a tal nível a ponto de incinerar livros e documentos escritos nessas línguas. Meu avô comentava que em sua casa [de imigrantes com apenas uma década de Brasil], os intendentes passavam confiscando armas, livros, e até as toalhas de mesa com os dias da semana ou datas comemorativas bordadas em alemão, e mencionava também o caso de um conhecido de origem italiana, preso e torturado por esbravejar palavras em italiano [após ter tropeçado com seus tamancos de madeira].
Assim, durante o período da ditadura Vargas, dentre outras medidas, todos os imigrantes e seus descendentes em território nacional foram proibidos de falar sua língua em público como uma forma de obrigá-los a se integrar à cultura brasileira. Tal determinação afetou diretamente a vida dos imigrantes alemães e seus descendentes, pois muitos não sabiam falar português e, pelo fato de o Brasil ter entrado na guerra contra a Alemanha, os mesmos passaram a sofrer ataques por parte da população brasileira: cusparadas, casas de comércio, jornais e estabelecimentos em geral, cujo dono era de origem alemã, foram incendiados e associações foram fechadas. Nessa época, a convivência entre brasileiros e alemães foi conturbada, principalmente pelo fato de que os “nacionais” podiam abusar destas determinações impostas pela ditadura.
Não fossem as medidas proibitivas de Pombal e Vargas, poderíamos ter um número muito maior de pessoas bilíngues.
Na imagem, um quadro obrigatoriamente exposto em casas comerciais, repartições públicas, clubes, ou em locais de aglomeração pública, atendendo à legislação da Ditadura Vargas quanto à proibição de se falar línguas estrangeiras em público, em especial dos países do Eixo.


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