quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sociedades de amigos

"Frequentemente se esquece o quanto se poderia fazer para mitigar a pobreza e a doença sem a intervenção do Estado. Na Grã-Bretanha da era vitoriana, as "Sociedades de Amigos" eram responsáveis por um volume espantoso de socorro providencial. Até pouco antes de 1914, os gastos das obras de caridade credenciadas e não-credenciadas, sociedades de amigos, sindicatos e outras instituições de benemerên...cia e auto-ajuda superavam o orçamento anual da lei dos pobres e ofuscavam o gasto do governo central com a previdência social. Em 1803, já se conheciam mais de nove mil sociedades "de amigos" ou mútuas, com mais de 700 mil membros. Em 1877, o número de membros das sociedades de amigos credenciadas saltara para 2,75 milhões, e menos de quarenta anos mais tarde para 6,6 milhões. Ademais, as sociedades não-credenciadas contavam com mais de dois milhões de membros. Quando o seguro nacional foi instituído na Grã-Bretanha em 1911, mais de três quartos dos beneficiários do novo esquema já eram assistidos pelas sociedades de amigos. Mesmo depois disso, o ritmo de crescimento do seguro privado continuou a ser superior ao do seguro público: às vésperas da Segunda Guerra Mundial, os prêmios das apólices de seguros privados superavam o total das contribuições para os sistemas estatais de saúde, desemprego e pensão. Para uma parcela substancial da população trabalhadora, a auto-ajuda foi, em suma, mais que uma pia aspiração vitoriana: foi uma realidade. E, com frequência, trouxe como corolário uma profunda desconfiança da interferência do Estado, sobretudo uma irritação contra os de fora que queriam (para citar um mineiro de Longton entrevistado em 1912 pelo fabiano R. H. Tawney) "fazer com que nós os ignorantes vivamos conforme eles imaginam que deveríamos viver". Não foram só libertários como Hilaire Belloc que hostilizaram "o Estado servil".
Além disso, também se vislumbrava, independentemente da intervenção do Estado, o sustento aos incapazes de se sustentar. As doações às instituições de caridade representavam um "imposto voluntário" substancial que financiava uma infinidade de boas causas, sobretudo nas áreas de educação e saúde. Na Grã-Bretanha, a renda total das obras de caridade credenciadas foi de 13 milhões de libras em 1910, mais do que o total gasto pelos governos locais com os auxílios aos pobres (12,3 milhões de libras), sendo que isto exclui benemerências de menor porte e quantias levantadas informalmente e distribuídas pelas paróquias ou por igrejas não-conformistas. Uma amostragem dos testamentos sugere que 13% da riqueza, em média, estavam sendo legados a obras de caridade nos anos anteriores a 1899."

- Niall Ferguson, do livro "A Lógica do Dinheiro - Riqueza e Poder no Mundo Moderno 1700-2000"

Nenhum comentário:

Postar um comentário