A segunda morte de Mandela
Para governantes de uma geração que mal sabe que CNA é a sigla de um partido que liderou a luta contra o racismo na África do Sul, a "unanimidade" em torno de Nelson Mandela vem a calhar. Quem entoa melhor o coral da falsidade é, sem dúvida, o arcebispo Desmond Tutu, em artigo para o jornal inglês "The Guardian" reproduzido nesta Folha."Mantenho que seu período [de Mandela] na prisão foi necessário porque, quando foi preso, estava cheio de raiva (...) ele não era um estadista, disposto a perdoar -era um comandante em chefe da ala armada do partido, que estava inteiramente disposta a recorrer à violência. O tempo que ele passou na prisão foi crucial (...) a prisão foi uma prova de fogo que queimou tudo que era ruim."
Mandela passou 27 anos enjaulado. Viveu num buraco inferior a quatro metros quadrados para "queimar tudo que era ruim". O que significou uma das grandes atrocidades do nosso tempo é difundido agora como estágio para estadista. Que isso venha da boca de um religioso, dá para entender. Religiões normalmente se prestam a esse papel -convencer fiéis a se conformar com o presente (ou a dar presentes...) em nome de um futuro redentor, ainda que na claustrofobia de um caixão.
Tão verdadeiro quanto isso é a patacoada ensurdecedora sobre o homem da transição pacífica, que venceu o racismo sem derramar sangue, o arquiteto da paz sem violência etc. etc Pacífica, cara-pálida? Só para citar dois eventos: a chacina de Sharpeville, em março de 1960, quando a polícia sul-africana atirou pelas costas e matou mais de 70 opositores. O outro foi em Soweto, em 1976, que terminou com a morte de mais de 700 estudantes. Há inúmeros momentos como esses na história sul-africana, devidamente apagados dos registros pelo governo racista com a conivência internacional.
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