segunda-feira, 7 de março de 2016

A invenção do nordestino

Versão em português da minha resenha (em inglês) do livro de D. M. de Albuquerque sobre
A Invenção do Nordeste.
Resenha do livro de Durval Muniz de Albuquerque Jr.:
“The Invention of the Brazilian Northeast”

Este é um livro muito importante não só para os interessados no Nordeste brasileiro, mas em geral, para todos que se interessam para os problemas da identidade brasileira. Durval Muniz de Albuquerque descreve a invenção do Nordeste brasileiro como uma região geográfica distinta. O autor mostra em detalhes como o Nordeste foi configurado durante um certo período histórico de uma maneira que é hoje amplamente tida como certa. Até os dias atuais, a mídia retrata o Nordeste nos mesmos velhos estereótipos de bandidos, secas, coronéis, sacerdotes apocalípticos e camponeses errantes. Neste livro, o autor tenta investigar por que os nordestinos são "marginalizados e estereotipada da produção cultural nacional" (p. 2). Albuquerque investiga por que os nordestinos estão acostumados a ver-se como "os vencidos, sempre definido em contraste com os exploradores tenazes no Sudeste (p.3).
É a ambição deste livro de problematizar a invenção do nordeste brasileiro. O termo "Nordeste" remonta a 1919 e foi criado pela Inspetoria Federal de Obras Contra a Secas IFOCS. Esta instituição mapeou o Nordeste como um território no Norte do Brasil, que foi particularmente sujeito a estações secas extremas. Foram também essas secas que atraíram a atenção de jornalistas do Sul. A da longa história começou a designar para o Nordeste a identificação como uma área problemática. Fotos que mostravam o sofrimento das pessoas e animais no Nordeste começaram a aparecer nos jornaia de grande circulação já nos anos 20. Organizações foram criadas para ajudar os "irmãos pobres" do Norte (p. 38) e o culto da vitimização iniciou.
Começando na década de 1920, os intelectuais, artistas e escritores inventaram o Nordeste como uma região em declínio em comparação com o resto do Brasil. Textos e imagens criados em livros e filmes mostravam o Nordeste como uma região com o olhar para trás, mesmo reacionário. Estas imagens criaram os preconceitos contra os nordestinos como estereótipos numa repetição permanente. O autor mostra que esta discriminação já continua por quase cem anos. A criação deste imaginário acontenceu principalmente no período 1920-1960 e ocorreu por meio de novelas e o cinema além da prensa e mais tarde pelos canais de televisão que transportavam esta tipologia de pobreza e vítima em grande escala.
A primeira imagem do Nordeste nos meios de comunicação é pobreza e sofrimento. Gilberto Freyre foi fundamental na criação do Nordeste como uma "instituição sociológica" (p. 60), enquanto nos romances da década de 1930 (p. 74) se produziu o seu complemento em termos de folclore profundamente tingido pelas ideias marxistas e um romantismo primitivo. Desta forma, o caráter do nordestino foi criado como "modo de ser", “forma de pensar" e "maneira de agir" (p. 77).  Elementos comuns aparecem nas narrativas do messianismo e banditismo, da seca e do atraso político.  Autores como José Lins do Rego (p. 95) e José Américo de Almeida (p 102), Rachel de Queiroz (p. 105) e Jorge Amado (pp. 154) transportem esta tipologia junto com os “pintores de miséria e dor” (pp. 176) e a música (pp 114) e o drama (pp.124). Craciliano Ramos (pp. 167) em especial, cria uma imagem da região que é uma imagem que é destituída, nervosa, amarga e ressecada (p 169).  Ramos e as suas personagens não podem lidar com contradição e ambiguidade. Como um stalinista ele busca verdades definitivas bem como transformar a aparente falsidade do mundo do comércio através do controle disciplinar (p. 174).
O marxismo veio para o Brasil com algum atraso na década de 1930 e particularmente desde a década de 1940, quando se amalgamou com a ideologia tradicional brasileira do positivismo (p.134). A partir desta confluência surgiram dois estudos clássicos sobre o Nordeste com Djacir Menezes’ "O Outro Nordeste" (1937) e de Josué de Castro’s "Geografia da Fome" (1946). "O marxismo nacionalista-populista" (p. 136) reivindicou a perceber a sociedade de baixo para cima de acordo com a base econômica. De lá vem a definição estereotipada do Nordeste que dominou a mídia até hoje. Uma ampla gama de produção artística - a ficção de Graciliano Ramos e Jorge Amado na década de 1930, a poesia de João Cabral de Melo Neto e diversos pintores socialmente conscientes ao longo da década de 1940, a Nova Cinema a partir do final dos anos 1950 para os anos 1960 – consagravam o Nordeste como o exemplo representativo dos problemas do Brasil: com a região exemplar da fome, da pobreza, do subdesenvolvimento, da alienação e do desespero. "(p. 138). O Nordeste surge, assim, como um lugar de vítima, de ruína, povoado por pobres e miseráveis.
"O tema do Nordeste, seja no reino da academia ou arte, nunca é neutra. A região é mostrada para ser preenchido por pessoas que, como figuras míticas ou dos próprios mitos, são capazes de sobreviver a destruição que o tempo parece ter predito para eles. Elas são retratadas como questões que exigem uma resposta, feridas que sangram periodicamente e exigem novo medicamento e nova explicação. Elas são definidas como incompleta e sempre na necessidade" (p. 139). Fazendo as coisas ainda pior, o discurso marxista que domina a vida intelectual pública no Brasil até aos nossos dias, é frequentemente escalado em “crus termos maniqueístas do bem contra o mal" onde a burguesia representa a fonte de vilania; (P. 145) e onde a moral burguesa tende a demonizar e criminalizar os pobres (P. 147). O Novo Cinema (pp. 207) mostra retratos do Nordeste como uma região homogeneizada pela pobreza, seca, banditismo e messianismo. O Nordeste aparece em imagens gritantes como um espaço de choque e da consternação, mostrando uma vida primitiva de miséria claustrofóbico (p. 209).
A verdadeira tragédia da "invenção do Nordeste" é que esses imaginários continuar e parece infectar todo o Brasil. Por constantemente reproduzindo uma realidade distorcida, exagerado sem vergonha, com distorções que anda até mostrar às pessoas cheias de sede de sangue e de desejo de vingança, a vida começa a imitar a arte quando a imagem inventada torna-se num auto-retrato. 
Dados bibliográficos: Durval Muniz de Albuquerque Jr.: The Invention of the Brazilian Northeast”. Duke University Press. Durham and London 2004. Tradução do Português da edição “A invenção do nordeste o outras artes” São Paulo: Cortez Editora 2009


Antony P. Mueller, Universidade Federal de Sergipe (UFS) – texto segundo a resenha que preparei em inglês para a revista a “Latinoamericana” Março 2016

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